quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Cadê o Plínio ? ou A Estadolatria estratégico-tática do PSOL.

Renato Queiroz
Em uma crítica absolutamente camarada e construtiva, buscamos chamar a a atenção dos companheiros do PSOL para alguns problemas que surgiram na construção da unidade entre os partidos da esquerda, tentando relacionar a um problema teórico na construção estratégico-tática do partido, a estatolatria (termo de Gramsci nos cadernos do cárcere).


Não é recente o posicionamento duvidoso dos companheiros do PSOL em determinadas situações. Desde seu surgimento, muitas vezes, vimos o PSOL dar ênfase às pautas voltadas para as eleições, abandonando o caráter socialista, popular e revolucionário de algumas pautas - para torná-las mais aceitáveis ao "grande público"- e , inclusive deixando de lado a construção da unidade dos partidos da esquerda socialista revolucionária.

Vemos que os companheiros do PSOL não estavam dispostos a construir um programa socialista e revolucionário para as eleições de 2010. Assumiram um papel de primazia na campanha, colocando os outros partidos que quisessem coligar com eles em uma posição secundária. Não houve acordo.

Em 2006, na frente de esquerda - segundo Ivan Pinheiro - a campanha estava centralizada em uma personalidade, Heloísa Helena. Um grave erro, na concepção do partido, que não deve se repetir. Na perspectiva da frente anticapitalista e anti-imperialista, devemos construir a unidade programática entre as forças contra hegemônicas, assim como as condições subjetivas da revolução socialista no Brasil.

Ora, nesse sentido, não vale a pena insistir em disputar o jogo de cartas marcadas que é o processo eleitoral burguês com expectativa de vencer. Afinal, há diversos pontos já conhecidos - como o financiamento privado das campanhas, o voto proporcional, a censura dos meios de comunicação burgueses sobre os candidatos da esquerda - que tornam esse meio inviável.

Assim, é necessário que se construa uma ampla agitação e propaganda - evidente que de acordo com as pernas que nos concedem - no período eleitoral, divulgando o partido e construindo a unidade com os partidos, movimentos e forças de esquerda. Sem ilusão de que há a a possibilidade de ganhar ou disputar seriamente algum cargo em nossa "democracia" burguesa.

Consideramos que as condições objetivas de uma revolução socialista no Brasil estão dadas No entanto, as mudanças na estrutura econômica de um Estado, significam mudanças na superestrutura dele. A superestrutura do Estado é separada em duas instâncias, a sociedade política e a sociedade civil.

Em sociedades desenvolvidas economicamente e ideologicamente, tanto as relações sociais de produção, quanto a direção hegemônica política - moral - ideológica, são essencialmente burgueses, logo, a tática e a estratégia são diferentes de um país semi colonial, semi feudal - "oriental", como diria Gramsci. Não há possibilidade, num país "ocidental", de acúmulo capaz de construir mudanças revolucionárias na estrutura econômica do Estado sem o controle proletário dele. No entanto, a complexidade das relações ideológicas hegemônicas nos traz a perspectiva de uma maior complexidade - num movimento diretamente proporcional - das condições organizativas da classe e das formas de luta, afinal, a burguesia está mais preparada em suas formas de consenso, coerção e cooptação . Mas, se considerarmos alguns fatores, tais como a atual conjuntura de ressurgimento do socialismo como ideia-força - algo impossível com o cadáver da experiência soviética ainda cheirando nos anos 90- do recuo da ofensiva neoliberal, da ascenção do social-liberalismo - já identificado como burguês e digno de uma negação como alternativa ao sistema -, além da revolução bolivariana , da ALBA e da resistência cubana - o terreno passa a tornar-se mais propício à ofensiva estratégica, como diz Fidel em seu novo livro.

No entanto, as oportunidades que a vida nos dá vão-se embora se não aproveitadas pelos revolucionários na síntese de suas definições concretas estratégico táticas da conjuntura concreta, tal síntese, por suposto, é a práxis. Há tarefas fundamentais nessa prática e uma delas é a unidade político-programática e de ação- sem dissolução ou seguidismo - das forças contra hegemônicas.

O PSOL não estava presente no debate da esquerda. Uma atitude de desprezo sobre os companheiros de estratégia - qual a causa disso ?
A falta de representatividade numérica dos candidatos do PCB, PSTU e PCO nas pesquisas burguesas encomendadas pelos meios de comunicação hegemônicos. O PSOL confunde estratégia e tática realizando esse tipo de ação, afinal, a campanha de Plínio não tem expressão capaz de ter qualquer perspectiva de vitória. E mesmo que ele ganhasse, não há governabilidade nessa correlação de forças altamente desfavorável. A solidariedade socialista e revolucionária e, principalmente, de classe o traria ao debate, que teria um toque a mais com sua presença, no entanto "problemas de agenda" o fizeram somar aos "outros candidatos", Dilma e Marina, que estavam ausentes.

Acho importante, como fechamento dessa reflexão, inserir uma pequena análise de Carlos Nelson Coutinho - que apoiou a fundação do PSOL - acerca do conceito Gramsciano de Estatolatria.

(...) nota contida nos Cadernos do cárcere, intitulada "Estatolatria" (10). Redigida em abril de 1932, essa nota refere-se claramente à União Soviética, embora Gramsci não o diga explicitamente. (Não o diz, certamente, porque - escrevendo no cárcere e sujeito à censura dos diretores da prisão - Gramsci evitava usar termos que pudessem chamar a atenção dos seus carcereiros-censores; é assim, entre outros disfarces, que fala em "filosofia da práxis" para dizer marxismo, em "sociedade regulada" como sinônimo de comunismo ou no "principal teórico moderno da filosofia da práxis" para se referir a Lenin.) Na referida nota, ele começa observando - e eu o cito literalmente -- que "há duas formas com que o Estado se apresenta na linguagem e na cultura de épocas determinadas, ou seja, como sociedade civil e como sociedade política, como 'autogoverno' e como 'governo dos funcionários'". Desse modo, ao mesmo tempo em que recorda na nota sua conceituação dos dois níveis do Estado "ampliado" -- a sociedade civil e a sociedade política (ou Estado strictu sensu) --, Gramsci parece aludir aqui, também, à importante distinção que faz entre "Oriente" e "Ocidente", entendidos os dois termos não em sentido geográfico, mas sim histórico-político: enquanto no "Oriente" o Estado seria tudo e a sociedade civil permaneceria primitiva e gelatinosa, para recordarmos suas próprias palavras, no "Ocidente" haveria, ao contrário, uma relação equilibrada entre os dois momentos da esfera pública ampliada (11).
"Estatolatria", por conseguinte, seria todo movimento teórico ou prático dirigido no sentido de identificar o Estado apenas com a "sociedade política", com os aparatos coercitivos, com o "governo dos funcionários", omitindo ou minimizando o elemento consensual-hegemônico próprio da "sociedade civil", do "autogoverno" - ou, em outras palavras, seria conceituar o Estado somente a partir das situações de tipo "oriental". Ora, todo leitor da obra de Gramsci sabe que, quando se refere a "Oriente", ele pensa sobretudo - ainda que não exclusivamente - na Rússia anterior à Revolução de 1917. Portanto, é evidente que ele se refere à União Soviética e à sua classe operária agora supostamente governante quando diz, sempre na nota que estamos comentando: "Para alguns grupos sociais, que antes da ascensão à vida estatal autônoma não tiveram um longo período de desenvolvimento cultural e moral próprio e independente (como ocorre na sociedade medieval e nos governos absolutistas [como o da Rússia]), um período de estatolatria é necessário e até mesmo oportuno: essa 'estatolatria' não é mais do que a forma normal de 'vida estatal', ou, pelo menos, de iniciação à vida estatal autônoma e à criação de uma 'sociedade civil', que não foi possível criar historicamente antes da ascensão à vida estatal independente".
O texto citado é claro: já que a classe operária russa fez a revolução num país de tipo "oriental", onde a sociedade civil ainda não fora historicamente criada e era assim primitiva e gelatinosa, compreende-se que ela e seu Partido, ao se tornarem governo, tivessem promovido num primeiro momento o fortalecimento do Estado, ou da "sociedade política", ou do "governo dos funcionários", já que isso era condição para romper com o atraso e empreender assim os primeiros passos para a construção de uma nova ordem. É como se Gramsci dissesse: numa sociedade "oriental", de escassa ou nenhuma tradição democrática, é compreensível que a primeira manifestação de um governo socialista assuma traços ditatoriais ( (...)uma "ditadura do proletariado"), ainda que - como já vimos na carta de 1926 que há pouco comentamos -- ele também defenda, ao mesmo tempo, a idéia de que essa "ditadura" não deve perder sua base consensual, sua dimensão hegemônica, sobretudo na relação com as massas camponesas.
Mas, embora reconhecendo a necessidade desse momento "estatolátrico" inicial - um reconhecimento que, como ele deixa claro, vale somente para os países de tipo "oriental" -, Gramsci especifica logo em seguida (e volto a citá-lo literalmente): "Todavia, essa 'estatolatria' não deve ser deixada a seu livre curso, não deve, em particular, tornar-se fanatismo teórico e ser concebida como 'perpétua': deve ser criticada, precisamente para que se desenvolvam e se produzam novas formas de vida estatal, nas quais as iniciativas dos indivíduos e dos grupos seja 'estatal', ainda que não devida ao 'governo dos funcionários' (ou seja, deve-se fazer com que a vida estatal se torne 'espontânea') [...]. O movimento para criar uma nova civilização, um novo tipo de homem e de cidadão, (...) [implica] a vontade de construir, no invólucro da sociedade política, uma complexa e bem articulada sociedade civil, na qual o indivíduo singular se autogoverne".
Gramsci, também aqui, é claro: o socialismo que ele propõe não se identifica com o "governo dos funcionários", com o domínio da burocracia, mas requer a construção de uma forte sociedade civil que assegure a possibilidade do autogoverno dos cidadãos, ou seja, de uma democracia plenamente realizada. Distinguindo-se dos social-democratas que se opuseram à revolução bolchevique e à União Soviética (Kautsky, Bernstein e tantos outros), Gramsci - tal como Rosa Luxemburg -- defende a necessidade da revolução e se solidariza, ainda que criticamente, com seus primeiros passos. .

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