quarta-feira, 21 de novembro de 2012

FARC-EP: uma história das lutas sociais do povo colombiano



Entrevista concedida pelo comandante da FARC-EP, Iván Márquez, ao Semanário Voz.
Por  Semanário VOZ
2012-11-16-abpnoticias-semanário VOZ
É evidente a discrepância de posições entre o Governo Nacional e as FARC-EP sobre a flexibilização ou não da agenda, como apontado na Reflexão I. Até onde é flexível a agenda do ponto de vista das FARC-EP, no que se refere às questões por ela levantadas?
- O problema não está em se a agenda é flexível ou não. Ela contém o essencial para iniciar um processo de diálogo que aborde os problemas fundamentais do país. No entanto, de nosso ponto de vista, é importante garantir espaços para que a participação popular estabeleça os rumos definitivos desta agenda. Pensamos que a estreiteza não está no Acordo Geral de Havana, mas na visão que o governo possui sobre as causas e consequências do confronto. É um absurdo que, por exemplo, a institucionalidade insista em negar a possibilidade de discutir as políticas neoliberais que hoje aprofundam o conflito social na Colômbia.
-Existem contradições quanto ao tempo. O governo considera até sete meses e ameaça levantar-se da mesa porque diz não ser refém do processo. Qual o tempo necessário para as FARC-EP?
- O documento acordado pelas partes em Havana diz textualmente: “Acordamos iniciar as conversações diretas e initerruptas sobre os pontos da agenda aqui estabelecida”. Em outro de seus pontos, indica que existe um compromisso de “concluir o trabalhos sobre as questões da agenda de maneira rápida e no menor tempo possível”. Em nenhum momento se fala de tempos específicos. Podem ser mais ou menos de sete meses. Isso dependerá da dinâmica que a participação popular, que é o principal, imprima no processo. Torcemos para que as soluções sejam encontradas de forma ágil, mas, caso contrário, ninguém deve se sentir refém de um assunto tão transcendental como este para a paz na Colômbia. É muito melhor empenhar-se, sem contradições, em um esforço de paz, que fazê-lo em função da guerra, como parece ser o caminho decidido pelo governo para ser tomado. Se, para o governo, é impossível colocar fim à sua visão militarista, que nega à população um lapso de sossego em seus padecimentos, deve ao menos acordar com as FARC normas mínimas de regularização da guerra, por razões de humanidade. Francamente, o ideal seria que nenhuma das partes se levante e nem apresentem ameaças ao funcionamento da mesa, que é um espaço em que o povo colombiano pôs toda sua fé.  Só por esse fato merece todo o máximo empenho.
O ponto de chegada
-Paz com democracia e justiça social: o que significa este ponto na chegada do final do conflito?
- Esse é o genuíno sentido do fim do conflito e não a capitulação, como pretendem alguns. É óbvio que, se as causas da miséria, da desigualdade e da exclusão política de que padecem as maiorias nacionais fossem superadas, o uso das armas não teria razão de existir. Seria ilusão pretender que a resistência ao terrorismo de Estado pudesse ser desarmada com base em promessas.
- Como fazer para que a mesa de diálogo gere confiança entre os trabalhadores e o povo? O governo diz querer a paz, mas continua promovendo “pacotes” antipopulares, como a reforma tributária e a nova reforma previdenciária, entre outras, permanecendo a violação dos direitos humanos. No marco do modelo de acumulação capitalista vigente, o que é considerado imóvel ou intocável?
- Efetivamente, o governo, ao mesmo tempo em que, de forma mesquinha, fala de paz e coloca obstáculo e restrições ao necessário protagonismo do movimento popular na mesa, eleva o pressuposto militar, acelera sua máquina bélica, aprova um pacto de leis que esmagam qualquer possibilidade de melhorar as condições de existência dos colombianos. As medidas econômicas que apontam para a consolidação da política neoliberal são um verdadeiro decreto de guerra contra o país. Existe muita inconformidade por parte da população com a política neoliberal, como se pode observar nos imensos protestos estudantis contra o projeto de reforma da Lei 30, que visa privatizar ainda mais a educação. E este é apenas um exemplo, já que o objetivo maior é fazer de todos os serviços públicos um negócio para as transnacionais e os setores apátridas das elites colombianas. Acabamos de assistir, em meados de outubro, a uma grande jornada de protesto nacional contra a dinâmica de privatizações e abusos do poder, que complementam a entrega sistemática do nosso território nacional para que as transnacionais desenvolvam seus projetos extrativistas.
- Muito se especula sobre as divisões e rupturas nas FARC. Até onde a coesão em torno da decisão de adiantar este processo de solução política dialogada do conflito é total?
- Essas especulações são uma constante na programação das táticas e da estratégia contrainsurgente da inteligência militar. Assim, não nos surpreendem. O fato é que o conjunto dos combatentes e comandos das FARC-EP, como todo o espectro da militância clandestina no seio do PC3, das milícias e do Movimento Bolivariano, está em total acordo com o início e a defesa de um processo de diálogo em função da justiça social e da reconciliação dos colombianos.
Chegam otimistas
- Como você se sente diante do 15 de novembro? Otimista? Pessimista? Entusiasmado? O que espera deste diálogo difícil e complexo?
- O conjunto da organização tem um profundo otimismo quanto ao bom curso que deve pautar este novo empreendimento de paz para a Colômbia. Esperamos, com muita firmeza, que desta vez o governo não busque desculpas para levantar-se da mesa. O certo é que, em meio à confrontação, por mais delicadas que sejam as situações apresentadas, o objetivo de estabelecer a justiça social, como chave do término do conflito, deve ser entendido como um imperativo acima de qualquer interesse particular ou das partes. O que deve primar é o imenso desejo que existe no povo colombiano em obter a paz estável e duradoura.
- Uma das Reflexões faz um questionamento sobre os grandes meios de comunicação que cobrem o diálogo. O que vocês esperam da imprensa, sobretudo da “grande imprensa”, que conta com recursos de fazer a cobertura ao vivo e direta, enquanto a imprensa alternativa o faz com enormes esforços e em desvantagem, por conta das dificuldades e da falta de apoio estatal?
- De todos os meios esperamos equilíbrio, veracidade, imparcialidade, sensatez, que informem e não que desinformem, que orientem e não que manipulem, que vislumbrem o conjunto da sociedade e não o benefício dos donos da mídia. Infelizmente, é muito difícil que os grandes meios deixem de responder aos interesses daqueles que o financiam. Vejamos o simples exemplo do que ocorreu com o jornalista Daniel Pardo. Ele foi demitido da Kien&ke por ter adotado uma posição crítica contra a publicidade feita pelas reportagens a favor da transnacional petroleira Pacific Rubiales. Em solidariedade, a diretora desse meio de comunicação, María Elvira Bonilla, renunciou ao cargo. Alguém disse por aí que os comunicadores empresários são os empresários comunicadores. Isso significa que se dedicam a lavar com publicidade a face imunda dessas transnacionais que saqueiam as riquezas naturais do país. Existe um cordão umbilical entre as empresas mineiro-energética e a grande mídia, que os comprometem indissoluvelmente. Basta observar como Francisco Solé, que era vice-presidente da casa editorial El Tiempo, agora é membro da junta dirigente da Pacific Rubiales, e que nessa mesma junta está incluído o ex-ministro das Minas, Hernán Martínez. Também, entre muitos outros, está o caso María Consuelo Araújo que, depois de ser Chanceler do governo de Uribe, passou à presidência da transnacional Gran Colombia Gold. Hoje existe no país uma discussão sobre esta miscelânea indecente de interesses, que se traduzem em atos de traição à pátria. Por isso, sem dúvidas, mídias como VOZ e todo o espectro dos meios alternativos estão convocados a serem os porta-vozes da consciência nacional, de forma unificada, para que, como uma só força, possam fazer o contrapeso patriótico necessário contra esses juízes tiranos convertidos em carrascos, que se congregam na grande imprensa colombiana. Especialmente neste processo de paz, os meios alternativos devem jogar papel fundamental, abrindo o espaço, antes de tudo, para a participação popular.
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB).

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